Informática, Política etc. - Fernando Melis
UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
sábado, 27 de abril de 2024
EM ALTO E BOM SOM
sexta-feira, 26 de abril de 2024
COISAS DO BRASIL
Mudando de um ponto a outro, hoje é sexta-feira, e sexta-feira é de pizza. Não há nada como o aroma de uma pizza no forno para nos deixar com água na boca — a não ser, evidentemente, quando se trata dos metafóricos fornos do Legislativo e do Judiciário, onde as redondas fedem como esgoto a céu aberto. A expressão "tudo acaba em pizza" com o sentido de impunidade surgiu nos anos 1960, ganhou popularidade durante o impeachment de Fernando Collor e é usada até hoje para aludir ao vício nacional de manter impunes políticos corruptos e/ou que praticam outros tipos de crime.
No mês passado, a PF concluiu o relatório sobre o caso da "fraude em certificado vacinal", e indiciou Jair Bolsonaro, Mauro Cid e outros 15 investigados pelos crimes de inserção de dados falsos em sistemas de informação, falsidade ideológica e associação criminosa. A pretexto de "não deixar nenhuma 'porta aberta' para a defesa técnica do ex-presidente", o procurador-geral Paulo Gonet determinou o aprofundamento da investigação. É como a anedota do sujeito que estava viajando com a esposa quando foi notificado da morte da sogra e, perguntado se ela seria sepultada ou cremada, respondeu: "primeiro crema e depois enterra, que com essa velha não se brinca".
Ao mandar arquivar o caso dos pernoites na embaixada da Hungria sem impor novas sanções cautelares ao ex-mandatário, Alexandre de Moraes levou água ao moinho do bolsonarismo. Josias de Souza anotou em sua coluna no UOL que, na avaliação de um deputado bolsonarista, o encerramento do caso foi uma "autocontenção" produzida pelo "fator rua", e que encarcerar Mauro Cid é uma coisa, outra coisa bem diferente é prender Bolsonaro sem uma sentença, pois o barulho seria grande".
Escorando sua decisão nos mesmos argumentos técnicos expostos em parecer da PGR, Moraes anotou em seu despacho que não há "elementos concretos" que indiquem "efetivamente" que Bolsonaro buscou asilo político na embaixada da Hungria em fevereiro, e, portanto, ele não violou a medida cautelar que o proíbe de se ausentar do país. Na interpretação do ministro, o art. 22 da Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário, deixa claro que, embora contem com proteção especial, os locais das missões diplomáticas não são considerados extensão de território estrangeiro, de modo que não houve violação à medida cautelar de proibição de se ausentar do País. Então tá.
Tirar gênios da garrafa é mais fácil do que convencê-los a entrar de volta. Moraes sinaliza a intenção de refinar procedimentos, selecionar brigas e encaminhar processos para a fase de encerramento. Provou isso ao avalizar a decisão da PGR que, em vez de denunciar Bolsonaro no caso da falsificação de cartões de vacina, pediu diligencias complementares à PF, ao não impor sanções cautelares ao encrencado pelos excessos na manifestação do último domingo, e ao mandar arquivar a investigação dos pernoites na embaixada da Hungria.
Tudo leva a crer que o semideus togado percebeu que até ele está sujeito à condição humana, e que, portando-se como uma espécie de "ex-Xandão", resguarda-se para o julgamento que grudará sentenças condenatórias nas biografias de Bolsonaro e dos integrantes do alto-comando do golpe.
quinta-feira, 25 de abril de 2024
BURROS, ZURROS E WHATSAPP
Sob a batuta de Renato Feder, a Secretaria da Educação de São Paulo informou que passará a utilizar o ChatGPT para produzir aulas digitais, e que os professores, responsáveis pela formulação do conteúdo, irão apenas a "avaliar" as aulas geradas pela IA. Receoso da má repercussão da novidade, Tarcísio de Freitas declarou que "não se pode deixar de usar a tecnologia por preconceito", mas que "nada vai substituir o papel do professor. O histórico da administração de Feder aconselha a plateia a tomar as declarações do governador bolsonarista com a "parcimônia" e "todas as reservas necessárias."
Observação: O autor de O Nome da Rosa enfatizou ainda que "eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel", e que, antes das redes sociais, "os idiotas da aldeia tinham direito à palavra somente em um bar, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade."
Quando se dá voz aos burros, perde-se o direito de reclamar dos zurros. Mas pelo menos se pode calar os chatos que invadem nosso WhatsApp e disparam frases de autoajuda ou de cunho religioso, correntes da felicidade, piadas sem graça, vídeos e outras mensagens indesejáveis e incomodativas — e cobram resposta se a gente não se manifesta prontamente.
Aproveite o sossego (enquanto puder).
quarta-feira, 24 de abril de 2024
DA MITOLOGIA GREGA À FÍSICA QUÂNTICA
Segundo a mitologia grega, Urano devolvia os filhos ao útero de Gaia para evitar que um deles o destronasse. Mas Gaia escondeu Chronos e o encarregou de castrar o pai. Quando o pimpolho cresceu e atendeu ao pedido da mãe, foi confinado pelo genitor no mundo subterrâneo ("reino" para onde os gregos supunham que as almas fossem após a morte física). Como a história se repete, Chronos devorou os filhos que teve com Raia, Raia escondeu Zeus numa caverna em Creta, Zeus cresceu e, a pedido da mãe, obrigou o pai a regurgitar seus irmãos. Ao cabo de uma guerra que durou 10 anos, Zeus derrotou Chronos e conquistou a imortalidade.
No livro Tempo: O Sonho de Matar Chronos, o físico Guido Tonelli explica o fluxo do passado, presente e futuro discorrendo sobre realidades onde as leis da física clássica não se aplicam. Embasado na mecânica quântica e na teoria da relatividade, ele sustenta que o tempo é um elemento material que "ocupa o universo inteiro, que vibra, oscila e se deforma". Assim como em sua obra anterior — Gênesis: a história do universo em sete dias, lançada em 2019 —, o autor conduz o leitor pela evolução do entendimento sobre nossa existência, mas "Gênesis" se baseia nos conceitos mais modernos da física para explicar como tudo começou, e "Tempo" discute questões seminais, como "o que é o tempo?", "ele existe, mesmo ou é só uma ilusão?", "conseguiremos um dia derrotá-lo?", e por aí afora.
Observação: Em A Ordem do Tempo, de 2017, Rovelli explora as concepções que a humanidade já teve acerca desse elemento crucial da realidade, de Newton, que teorizava duas formas de tempo, e Einstein, para quem o espaço-tempo resultaria de deformações do campo gravitacional, ao atual estágio de pesquisas.
Voltando a Tonelli, o subtítulo do livro Tempo: O sonho de matar Chronos remete ao desejo de superar a mortalidade, mas apesar de acreditar na possibilidade de dobrar e manipular o campo do espaço-tempo, o autor não vislumbra qualquer possibilidade de nos tornarmos imortais, como Zeus teria se tornado após derrotar o pai. "Nada é eterno, toda estrutura de matéria, seja um humano, uma estrela, uma galáxia, é frágil intrinsecamente, e cedo ou tarde tudo se acaba", pondera Tonelli.
Com BBC
terça-feira, 23 de abril de 2024
DEU NO QUE ESTÁ DANDO
Reza a sabedoria popular que o mal deve ser cortado pela raiz, que esqueletos podem sair dos armários, e que eguns mal despachados voltam a nos assombrar. Ao contrário do que se imaginou a princípio, o impeachment de Dilma não sepultou o PT e a prisão não pôs fim à trajetória política de Lula.
Graças a uma decisão teratológica do ministro Edson Fachin, o xamã petista foi exumado da carceragem da PF com o fito de derrotar o pior mandatário que o Brasil amargou desde Tomé de Souza. Mas nem os fins justificam os meios, nem a derrota do sociopata golpista despachou o bolsonarismo de volta para o armário de onde nunca deveria ter saído. E deu no que está dando.
O ato convocado para o último domingo reuniu bem menos pessoas que o de fevereiro, mas deixou claro que o "mito" ainda é capaz de encher o asfalto. Entre a Avenida Paulista e Copacabana, ele modulou sua estratégia do bom-mocismo da "pacificação" para o mau-caratismo da desinformação em estado bruto. Para manter seu devotos em pé de guerra, disse que o Brasil está "perto de uma ditadura". Surfando a onda fabricada por Elon Musk, afirmou que "o mundo inteiro toma conhecimento do quanto esta ameaça a nossa liberdade de expressão".
Recheados de cinismo e mesmice, os discursos de Bolsonaro, Michelle e Malafaia comprovam que a união faz a farsa. A bajulação ao dono do X, o "Pai Nosso" da ex-primeira-dama e os coices desferidos pelo "pastor" em "Xandão" não apagam culpas bem esquadrinhadas pela PF, mas levam água ao moinho bolsonarismo. Ficou claro que o chefe do clã da rachadinhas, mansões milionárias e joias sauditas aposta que, com o passar do tempo (periculum in mora), a tentativa de golpe caia no esquecimento, e ao atacar a credibilidade de Moraes, equipa-se para contestar futuras condenações esgrimindo questões processuais como as que levaram à anulação das sentença de Sergio Moro na finada Lava-Jato.
Quem padece de TDI (transtorno dissociativo de identidade) costuma ter dupla personalidade, mas Bolsonaro tem três: a que exibe, a que tem de fato e a que imagina ter. Na personalidade da pose, é um perseguido político; na real, um golpista à espera de sentença; na imaginária, um cultor do Estado democrático de Direito. Colocando-se na coqueteleira a máscara, a imagem nua no espelho e a desconexão com a realidade, obtém-se o protótipo de um batedor de carteira ideológico: ao dizer que o Brasil roça uma ditadura e apresentar-se como herói de uma guerra contra o cerceamento à liberdade de expressão, o psicopata se comporta mais ou menos como um punguista de praia que, pilhado numa tentativa de tomar de assalto a democracia, sai gritando "pega ladrão".
Bolsonaro abomina a realidade, mas sabe que ela é o único lugar onde um político investigado pode arrumar uma defesa decente. Percebendo-se indefeso, recorre à empulhação. Os quatro anos de sua Presidência caótica revelaram que há sempre duas razões para as estratégias (a declarada e a real), e a concentração de poderes nas mãos de Moraes fornece lenha para a fogueira da confusão. No mundo real, o personagem assemelha-se a um náufrago criminal que se agarra a um jacaré imaginando tratar-se de um tronco.
Na composição da fábula do afogado, Bolsonaro e seus operadores escoram-se numa regra importada da propaganda: com um rótulo bem definido, qualquer coisa pode ser vendida. Em três décadas como deputado do baixo-clero, ele aprendeu que o mal, como abstração, é difícil de ser enxergado, mas que basta dar ao mal um tridente e um par de chifres para se ter um inimigo a quem transferir suas culpas. E o demônio do bolsonarismo é "Xandão".
O bolsonarismo se esfalfa para colar em Moraes rótulos que o Supremo atribuiu a Moro: um juiz superpoderoso autoconvertido em Xerife-Geral da República que concentra em seu gabinete processos de grande repercussão e instrumentaliza o Direito em busca de resultados. Nessa versão, o togado mimetizaria os métodos de Moro — após obter a delação de Mauro Cid mantendo-o preso por quatro meses, busca produzir um novo delator conservando atrás das grades — desde agosto do ano passado, sem condenação — Silvinei Vasques, o ex-diretor bolsonarista da PF.
Na gênese da concentração de poderes nas mãos de Moraes está o inquérito das fake news, aberto em 2019 por Dias Toffoli, então presidente do STF, à revelia da PGR, para o qual "Xandão" foi escolhido relator sem sorteio. Outros inquéritos sobrevieram, como o que investiga os atos antidemocráticos e o que apura as perversões das milícias digitais. Em condições normais, seriam sorteados novos relatores, mas considerou-se que os crimes sob apuração tinham conexão com o inquérito inaugural, e isso abriu uma brecha para que a defesa do capetão esgrima a tese de que o STF subverte duplamente o princípio do juiz natural. Primeiro porque a Corte indeferiu o recurso que pleiteava o envio da encrenca envolvendo um ex-presidente sem foro privilegiado à primeira instância. Segundo porque teria torturado suas próprias regras para manter nas mãos de Moraes todos os inquéritos que aproximam o encrencado da cadeia, da falsificação dos cartões de vacina à comercialização de joias da União, passando pelo da tentativa de golpe que desaguou no 8 de janeiro.
Do ponto de vista jurídico, a tática do bolsonarismo é de uma ineficácia hedionda. Não há argumento capaz de eliminar as culpas do ex-presidente. Afora a delação de Mauro Cid, a responsabilidade criminal do dito-cujo está escorada em sólidas provas materiais e testemunhais. Sob o prisma político, eventos como o da Avenida Paulista e o de Copacabana fornecem a um investigado metaforicamente "jurado de morte" a possibilidade de se comportar como se estivesse cheio de vida.
Faltando-lhe uma defesa crível, Bolsonaro apela à mistificação messiânica para hipnotizar seus devotos. A presença da evangélica Michelle e do pastor Malafaia nos palanques não foi à toa: servindo-se da oratória da dupla, o indefensável converte seus seguidores em sectários de uma seita religiosa e os estimula a aceitar todas as presunções da divindade presumida a seu próprio respeito. Em matéria criminal, isso inclui concordar com o dogma segundo o qual ele tem uma missão de inspiração divina e, portanto, indiscutível.
Basta ler as entrelinhas para extrair do discursos em Copacabana a narrativa de que Bolsonaro e seus acólitos empunham lanças em defesa da liberdade e da democracia, e que a "rede de solidariedade" da extrema-direita global está incumbida de projetar ao mundo um roteiro de perseguição e silenciamento. Mais difícil é saber até que ponto essa caterva acredita nas próprias mentiras e a partir de que ponto passa a jogar para os verdadeiros defensores da democracia o peso de provar a verdade.
Observação: Não é mais apenas sobre "como as democracias morrem", mas sobre como a democracia deixa de ser o que é. E não se trata do universo evangélico ou da Bíblia, mas, sim, do uso religião como política e do potencial desse "nacionalismo cristão extremista e fanático" desgraçar a democracia brasileira como o trumpismo vem fazendo nos EUA.
Se prevalecer a lógica, é muito provável que Bolsonaro vá para a cadeia. O momento atual não é adequado para decretar sequer sua prisão preventiva, mas Alexandre de Moraes, tão incisivo em suas decisões, já poderia ter tomado outras providências. Ao não fazê-lo, o magistrado converte a Suprema Corte numa espécie de centro terapêutico para tratar as loucuras do investigado, enquanto este segue em campanha para reforçar o número de prefeitos do PL, reforçar a bancada bolsonarista no Congresso em 2026 e, mais à frente, conspirar por uma anistia.
Com Josias de Souza
segunda-feira, 22 de abril de 2024
LULA E A MELHOR IDADE
Viver para sempre é um sonho antigo. Os antigos gregos acreditavam a água de um rio que nascia no Monte Olimpo tornava os homens imortais. Em 1513, Ponce de León partiu de Porto Rico em busca da lendária Fonte da Juventude e descobriu a Flórida, mas morreu em 1521 sem jamais ter encontrado a tal fonte.
Em 1932, quando a expectativa de vida dos norte-americanos era de 59,7 anos, Walter B. Pitkin publicou seu livro de autoajuda "Life begins at forty" ("A vida começa aos 40"). Entre 1960 e 2014, a expectativa de vida no Brasil aumentou de 48 para 74,6 anos. Aubrey de Grey — co-fundador e CSO da SENS — acredita que é possível viver por séculos sem sofrer os transtornos da velhice, mas nossa conterrânea mais longeva completou 119 anos no dia 10 do mês passado (e está num osso danado).
A experiência segue as pegadas da maturidade, mas isso não significa que a "reta de chegada" seja a melhor parte da "viagem". Chamar a "terceira idade" — fase da vida que começa aos 60 e termina quando as luzes da ribalta se apagam — de "melhor idade" é ignorar pérolas de sabedoria como "la vecchiaia è bruta". Em resposta à nova expressão, que foi cunhada por um "influencer" infectado pelo vírus da positividade tóxica, borrifada nas redes sociais por seus seguidores "idioters" e replicada pelos meios de comunicação, o jornalista e escritor mineiro Rui Castro publicou a crônica "Melhor idade é a puta que te pariu".
Lula foi catapultado à política liderando greves históricas que desafiaram a ditadura militar nos anos 1970. Em 2022, ele articulou a falaciosa "frente democrática" que o ajudou a se eleger pela terceira vez com a promessa de pendurar as chuteiras ao final desse mandato. Assim que tomou posse, criou dezenas de novos ministérios para acomodar os aliados de ocasião e nomeou para as pastas já existentes antigos aliados sepultados no julgamento do Mensalão ou quando a saudosa Lava-Jato expôs as entranhas pútridas do Petrolão. E como desgraça pouca é bobagem, voltou a acalentar o sonho de concorrer ao quarto mandato.
Observação: Comenta-se que o imperador da Câmara reclamou da desarticulação do governo e sugeriu a Lula que anunciasse sua candidatura à reeleição em 2026 a fim de acabar com a rivalidade entre seus ministros — principalmente Alexandre Padilha, Rui Costa e Fernando Haddad. O presidente não se fez de rogado, mas, ao contrário do que esperava Lira, essa iniciativa não inibiu as brigas e as sabotagens dentro governo, num sinal claro de que, se a orquestra oficial continua desafinando, a culpa é do regente, e de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro.
Lula recebeu com pompa e circunstância o ditador venezuelano, presenteou Dilma com a presidência do Banco do Brics e indicou para o STF um amigo e advogado particular e um ministro socialista, comunista e marxistas. Em 15 meses de governo, passou quase 70 dias num périplo turístico por 30 países, demorou a afastar auxiliares envolvidos com corrupção, acusou o presidente do BC de travar o crescimento do país, sabotou a meta de déficit zero de seu ministro da Fazenda e tentou interferir na Petrobras e enfiar Guido Mantega na presidência da Vale.
Além de reeditar erros cometidos nas gestões anteriores, o Sun Tzu de Atibaia abrilhantou sua interminável lista de asnices louvando o Nicolás Maduro, comparando Gaza ao Holocausto, defendendo a ideia de que democracia é um conceito relativo e dizendo que se orgulha de ser chamado de comunista. Seus auxiliares estão preocupados com seus "lapsos de memória", como quando ele acusou Israel de matar 12,3 milhões de crianças — um dado flagrantemente irreal.
Lula sempre foi entusiasta da ideia — simplista e errada — de que gasto é vida. Rui Costa, seu mais poderoso assessor no Planalto, vive a argumentar que o ajuste fiscal proposto por Haddad pode prejudicar o novo PAC, assim como o pagamento de dividendos extras pela Petrobras — rejeitado por Costa e defendido por Haddad — poderia, segundo o chefe da Casa Civil, inviabilizar o plano de investimentos da companhia, e desde então a rixa vem ganhando ritmo e temperatura.
Em seu primeiro mandato, Lula assistiu a uma disputa de poder entre José Dirceu e Antonio Palocci. Tanto o então chefe da Casa Civil quanto o então ministro da Fazenda almejavam suceder ao chefe na Presidência, mas ambos foram atingidos por escândalos de corrupção e ficaram pelo caminho. A exemplo de seus antecessores, Costa e Haddad nutrem o desejo de disputar o Planalto em 2026. Lula, como de costume, prefere assistir de camarote à cizânia entre aliados e subordinados. Quando intervém, é para colocar mais lenha na fogueira — como fez quando o plenário da Câmara manteve a prisão do deputado Chiquinho Brazão.
Lira chamou Padilha de "incompetente" e "desafeto pessoal", e o ministro reagiu dizendo que não desceria ao nível de Lira. Lula resolveu participar do tiroteio verbal tomando partido de seu auxiliar: "Só de teimosia, Padilha vai ficar muito tempo nesse ministério". A ideia era mostrar quem manda — o que não é necessário nem condiz com a liturgia do cargo —, mas só conseguiu agravar a situação. O ainda imperador da Câmara tem o poder de atrasar ou destravar projetos, instalar CPIs e até fazer avançar pedidos de impeachment, e deixou a impressão de que retaliará o governo, que até hoje não conseguiu formar maioria na Casa porque depende — e muito — da ajuda dele.
Lula demora a perceber, mas seu grande desafio não está fora, mas dentro de sua gestão. Mesmo com a melhora do nível de emprego e a inflação "sob controle", a avaliação positiva de seu governo vem caindo, e o pessimismo da população com a economia, aumentando na mesma medida. Sem falar que o petista ora segue a cartilha ideológica de seu assessor especial, Celso Amorim, ora se baliza pelo profissionalismo da chancelaria comandada pelo ministro Mauro Vieira, afinado com a tradição nacional de conciliação e moderação.
Desde os tempos em que liderava a oposição, Lula é tido e havido como um "animal político", um expert na arte de atrair aliados e superar adversidades. Sua desforra contra a Lava-Jato comprova isso, mas sua atuação no terceiro mandato coloca essa fama em xeque. Distante dos problemas da população e dos desafios da máquina pública, o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto) comanda um governo descoordenado, emite sinais contraditórios e permite que seus principais auxiliares sabotem uns aos outros.